O
pintor da vida moderna, de Charles
Baudelaire, é uma obra do século XIX. Esta obra é um ensaio, sendo que em
toda a sua extensão são expostas ideias, críticas e reflexões acerca do
trinómio modernidade, arte e beleza, através da descrição de elementos que o
constituem.
Baudelaire
começa por apresentar uma crítica generalizada à arrogância dos que se acham
eruditos por consumirem a cultura popular de massas, desprezando os artistas
menores. Enaltece, assim, aqueles que conseguem reconhecer a beleza também nos
menores artistas, nos que facilmente passariam despercebidos à sombra dos
grandes.
O autor faz uma
importante reflexão sobre a moda, que poderia servir de cânone cultural a todas
as épocas. Reconhece na moda a ideia que o Homem tem de beleza e relação que
com ela estabelece, para além de refletir o pensamento filosófico da época.
Assim, enaltece o interesse cultural da moda, ao invés do preconceito geral de
que a moda é algo superficial. Apesar de reconhecer a história como um
componente essencial da arte (e da moda), condena a utilização de modelos
antigos como direção principal, introduzindo uma excecional caraterização da beleza,
reconhecendo-lhe um elemento eterno e um circunstancial. Para Baudelaire, o
elemento eterno relaciona-se, precisamente, com a história, com a capacidade de
olhar para trás e aprender e revolucionar sem necessariamente destoar. O
elemento circunstancial relaciona-se com a paixão e especificidade da época.
Sem este elemento, a arte seria intrinsecamente insípida (nada mais senão a
repetição fatigante do já existencial, daí o apelo à originalidade).
Como centro
da compreensão desta obra, destaco o conceito de flâneur, em O Pintor da Vida Moderna. Este termo francês,
que poderá ser traduzido como errante, o que vagueia sem destino, é essencial
para distinguir o mero artista, que será limitado e mundano, do homem do mundo,
que é livre. O errante é aquele que se sente em casa fora de casa; o que vê o
mundo e está no centro do mundo, mas dele se esconde, nele passa despercebido;
aquele que reconhece no mundo a sua família; o que tem um espírito
independente, apaixonado, destemido. O errante contempla a vida e só depois
tenta encontrar uma forma de a expressar. Somos todos, no fundo, errantes. O que
nos deveria distinguir dos meros é o propósito; devemos, sim, vaguear mas não arbitrariamente.
Devemos observar, não olhar; escutar, não ouvir; sentir, tocar, contactar. É tudo
o que levamos da vida.
Na obra, é
ainda introduzida importância da criança, ou pelo menos da sua forma de pensar;
para a criança tudo é novidade, nada está desgastado. A utopia era vivermos
desta forma, sermos errantes mas com a mente da criança. Somos nós, desta
forma, errantes aplicados, que temos a função de procurar expressar e construir
a modernidade no detalhe, extrair o eterno da circunstância, e daí extrair a
beleza da época. É assim que se constrói a modernidade, modernidade esta não
eterna, não algo que perdura, mas algo fugaz e circunstancial que será no
futuro, inevitavelmente, passado. Cada modernidade que temos o prazer de experienciar
é uma e uma só, é bela pelos detalhes, pelas partes talvez não propriamente
transcendentais mas que a distinguem. Esta beleza não está, necessariamente,
associada ao que é bonito. É um diamante em bruto, não polido, e é desta forma
suja e agressiva que a devemos sentir. Ela será polida por uns, e dessa forma
consumida por outros, mas só aquelas que pelo tempo foram erodidos é que a
sabem, a compreendem.