segunda-feira, 5 de maio de 2014

Vida Nova, Dante Alighieri

Curiosidade:
Dante, como expoente da literatura universal foi utilizado como referência cultural e didáctica pela autora portuguesa Sophia de Mello Breyner , que o utilizou como personagem no livro infantil-juvenil "Cavaleiro da Dinamarca", onde é apresentado às jovens gerações como alguém que terá tido contacto com realidades transcendentes ou que, não as tendo tido, deixou, ainda assim, uma obra por si mesma transcendente.

Vida do autor:
Dante Alighieri foi um dos grandes poetas mundialmente conhecido.  O seu amor  incondicional e capacidade visionária transformaram-no no mais importante pensador de sua época.
Nasceu e viveu grande parte da sua vida em Florença, região da Toscana, até ser injustamente exilado.
A vida de Dante foi marcada por dores, sofrimentos, lutas pela justiça e pela liberdade.
Pouco se sabe sobre a vida de Dante e a maior parte das informações sobre sua educação, sua família e suas opiniões são geralmente meras suposições. As especulações sobre a sua vida deram origem a vários mitos.
Dante era extremamente religioso.

Resumo do livro Vida Nova

Vida Nova (em latim do original vita nouva) é o obra de juventude do escritor Dante Algherie, escrita provavelmente entre 1292 e 1293.  Apresenta uma sequência de 31 poemas entremeados por comentários e explicações sobre cada poesia, enquanto o autor narra como conheceu Beatriz, ela com oito anos, ele com nove, até a morte dela. Esta obra é uma mistura de prosa e poesia. Dante divide sempre os poemas em partes para uma melhor explicação.

Dante apresenta-se como um poeta saindo da juventude e ainda sob o impacto da morte de sua amada, Beatriz. A história desse amor é rememorada em ordem cronológica, com uma certa precisão.
A narrativa começa com o primeiro encontro com a sua amada Beatriz quando ambos tinham 9 anos ( o número 9 é recorrente nesta obra) e cita: "quando vi pela primeira vez a gloriosa dama de meus pensamentos a quem muitos chamavam Beatriz, na ignorância de qual fosse o verdadeiro nome." "Levava traje de nobilíssima, singela e recatada, cor vermelha e ia cingida e adornada da forma que convinha à sua pouca idade."

Desde aquele encontro precoce com Beatriz, no nono ano de suas vidas, Dante já se sente dominado pelo Amor, já não consegue parar de pensar nela.
O segundo encontro dá-se passado 9 anos, "ocorreu que a maravilhosa mulher me apareceu vestida de alvissíma cor, entre duas gentis senhoras de maior idade.".

Naquele momento os olhares cruzaram-se, ele encontrava-se receoso a observá-la, ela saudou-o (comprimento-o) com a sua inefável amabilidade e doçura. E ele sentiu que nesse momento subiu ao céu, ou seja que tinha atingido um elevado grau de transcendência.
Era a primeira vez que as suas palavras chegavam aos seus ouvidos embragou-lhe tal doçura que, como se tivesse embriagado, num estado de felicidade pura, se afastou das pessoas e foi para um quarto sozinho pensar naquela "delicadíssima mulher".

Dante tinha muitas vezes visões/sonhos principalmente enquanto dormia. Nesse momento teve uma, viu

 no seu quarto uma nuvem cor de fogo que continha um homem que das muitas palavras que lhe disse, ele percebeu estas: "sou o teu senhor". Esse homem trazia nas mãos uma rapariga adormecida, quase nua, apenas vestida de róseo cendal. Olhando com atenção para ela percebeu que era a tal dama que lhe tinha saudado no dia a anterior. E parecia que o homem trazia nas mãos algo que brilhava intensamente e disse-lhe "vê o teu coração". Parecia que esse homem tentava despertar a adormecida, mas ela não acordava então ele passou de um estado de alegria , para pura tristeza, começou a chorar e recolheu a dama nos seus braços parecendo que a levava para o céu.

Angustiado, Dante desperta e, reflectindo sobre o significado do que vira em sonho, resolve escrever um soneto em que registasse o encontro onírico com o deus Amor e com Beatriz, para depois enviá-lo “a muitos que eram famosos trovadores naquele tempo”, pedindo-lhes que decifrem a visão.

Começou a escrever um soneto (sobre essa sua visão) e começou assim: "A toda a alma prisioneira a todo o coração gentil."
A toda a alma prisioneira a todo o coração gentil,
até os quais correndo vai o meu lamento
(e que diga cada um aquilo que sente)
saúde em seu Senhor, ou seja o Amor,
Quase se tinha atingido a hora
em que a luz estelar mais viva nos parece,
quando de súbito o Amor se me mostrou,
e de tal forma que lembrá-lo me horroriza.
Alegre me parecia,
tendo numa das mãos meu coração, e nos braços,
envolta num cendal, minha dama adormecida.
Desperto-a; e desse coração, que ardia,
ela comia, receosa, humildemente.
Vi-o depois afastar-se soluçando.


Este soneto divide-se em duas parte a 1ª saúdo e peço resposta e a 2ª começa em quase se tinha atingido a hora.
Em seguida explicou-o. Fez o mesmo com os outros 32 sonetos que escreveu ao longo da narrativa.

Dante fala do amor por Beatriz como algo inatingível que só se poderá concretizar no mundo espiritual, através do amor e pelo amor.  Beatriz para Dante é a própria simbologia do amor, amor cristalino, divinal e por isto ele a exalta, escreve que não pode compará-la com outra mulher, fazendo referência a algo puro,nobre, forte, transcendente, que não se pode comparar.

 Dante não vê Beatriz como uma mulher a qual se pode tocar, o seu amor é platónico, inatingível e sublime.
Na segunda e mais dramática parte da obra, Dante narra a morte do pai de Beatriz, e posteriormente um sonho profético no qual ele vê a morte da amada.

Em 1290, Beatriz morreu repentinamente, deixando Dante inconsolável.
"Vida nova" nos remete três ideias importantes em relação ao amor: memória, morte e segredo.
Quando Beatriz morre, Dante expressa sua dor através de sonetos em muitos capítulos. Após a morte de Beatriz, Dante começar a se sentir atraído por outra mulher , porém no final do livro, Dante retoma o seu amor por Beatriz e se propõe a não falar mais dela enquanto não tivesse um discurso novo que pudesse continuar exaltando aquela mulher.

Abaixo encontra-se um trecho em que Dante expressa seu amor por Beatriz, exaltando-a:

Tão honesta e gentil, ao nos saudar,
Minha amada aparece em nossa vida,
Que toda boca treme, emudecida,
E os olhos a não ousam contemplar.
Ela se vai, sentindo-se louvar,
Humildemente, de pudor vestida;
Parece que no céu foi escolhida
Para à terra um milagre revelar.
Tão amável se mostra a quem a mira
Que no peito desperta uma doçura
Que só pode entender quem a conhece;
E dos seus lábios emanar parece
Um espírito cheio de ternura
Que vai dizendo ao coração; "Suspira!"
(Alighieri Dante – Vida Nova)

Extra:


Uma outra característica na obra de Dante é o uso do número nove e seus múltiplos, uma referencia à idade Beatriz e Dante quando se conheceram, nove anos mais tarde Dante reencontrou Beatriz . Dante escreveu "Vida Nova" durante nove anos, antes e depois da morte de Beatriz.
Na verdade, Dante só a viu duas vezes. Tanto ele como ela se casaram com outra pessoa. O amor de Dante é, portanto, absolutamente platónico, repete o idealismo dos poetas provençais, para quem a dama amada é uma figura inatingível.

 Por fim, o que mais impressiona na obra de Dante, do ponto de vista do poeta é a seriedade no modo de considerar o Amor, pois ele tem a concepção do amor perfeito. Para ele, o amor em si, não se resume a inteligência ou a qualquer definição física, e sim a uma espiritualidade de sentimentos que são sentidos intensamente.



segunda-feira, 7 de abril de 2014

"O Pintor da Vida Moderna", de Charles Baudelaire

O pintor da vida moderna, de Charles Baudelaire, é uma obra do século XIX. Esta obra é um ensaio, sendo que em toda a sua extensão são expostas ideias, críticas e reflexões acerca do trinómio modernidade, arte e beleza, através da descrição de elementos que o constituem.
Baudelaire começa por apresentar uma crítica generalizada à arrogância dos que se acham eruditos por consumirem a cultura popular de massas, desprezando os artistas menores. Enaltece, assim, aqueles que conseguem reconhecer a beleza também nos menores artistas, nos que facilmente passariam despercebidos à sombra dos grandes.
O autor faz uma importante reflexão sobre a moda, que poderia servir de cânone cultural a todas as épocas. Reconhece na moda a ideia que o Homem tem de beleza e relação que com ela estabelece, para além de refletir o pensamento filosófico da época. Assim, enaltece o interesse cultural da moda, ao invés do preconceito geral de que a moda é algo superficial. Apesar de reconhecer a história como um componente essencial da arte (e da moda), condena a utilização de modelos antigos como direção principal, introduzindo uma excecional caraterização da beleza, reconhecendo-lhe um elemento eterno e um circunstancial. Para Baudelaire, o elemento eterno relaciona-se, precisamente, com a história, com a capacidade de olhar para trás e aprender e revolucionar sem necessariamente destoar. O elemento circunstancial relaciona-se com a paixão e especificidade da época. Sem este elemento, a arte seria intrinsecamente insípida (nada mais senão a repetição fatigante do já existencial, daí o apelo à originalidade).
Como centro da compreensão desta obra, destaco o conceito de flâneur, em O Pintor da Vida Moderna. Este termo francês, que poderá ser traduzido como errante, o que vagueia sem destino, é essencial para distinguir o mero artista, que será limitado e mundano, do homem do mundo, que é livre. O errante é aquele que se sente em casa fora de casa; o que vê o mundo e está no centro do mundo, mas dele se esconde, nele passa despercebido; aquele que reconhece no mundo a sua família; o que tem um espírito independente, apaixonado, destemido. O errante contempla a vida e só depois tenta encontrar uma forma de a expressar. Somos todos, no fundo, errantes. O que nos deveria distinguir dos meros é o propósito; devemos, sim, vaguear mas não arbitrariamente. Devemos observar, não olhar; escutar, não ouvir; sentir, tocar, contactar. É tudo o que levamos da vida.

Na obra, é ainda introduzida importância da criança, ou pelo menos da sua forma de pensar; para a criança tudo é novidade, nada está desgastado. A utopia era vivermos desta forma, sermos errantes mas com a mente da criança. Somos nós, desta forma, errantes aplicados, que temos a função de procurar expressar e construir a modernidade no detalhe, extrair o eterno da circunstância, e daí extrair a beleza da época. É assim que se constrói a modernidade, modernidade esta não eterna, não algo que perdura, mas algo fugaz e circunstancial que será no futuro, inevitavelmente, passado. Cada modernidade que temos o prazer de experienciar é uma e uma só, é bela pelos detalhes, pelas partes talvez não propriamente transcendentais mas que a distinguem. Esta beleza não está, necessariamente, associada ao que é bonito. É um diamante em bruto, não polido, e é desta forma suja e agressiva que a devemos sentir. Ela será polida por uns, e dessa forma consumida por outros, mas só aquelas que pelo tempo foram erodidos é que a sabem, a compreendem.

quarta-feira, 26 de março de 2014

O Conceito de Justiça em Alice

A ideia de justiça no livro "A Alice no País das Maravilhas" nota-se fundamentalmente, na minha opinião, nos capítulos onze e doze. 

Nestes capítulos, o Valete é acusado de roubar as tartes da rainha de copas e apesar de não terem provas de ter sido ele, a rainha e o rei tentam incrimina-lo e condená-lo à morte. É aqui que se demonstra claramente os ideais de justiça neste livro, onde o juiz é o Rei e os jurados são animais que se comportam como humanos. 

Estes critérios são diferentes dos que usamos, pois este tribunal tem alguns traços de anarquia e há um grande abuso de poder como se vê em certos acontecimentos no livro, como as ameaças da rainha de copas e do rei às testemunhas.

Neste livro Alice deixa o seu confortável mundo e vai para um mundo inconsciente onde a sua imaginação e a fantasia, prevalecem, visto que esta história reflete as mudanças da adolescência bem como as crises emocionais e de identidade.

Na minha opinião, devemos alcançar aquilo a que temos direito, incluindo a nossa dignidade e existência como pessoas, mas também sermos capazes de aceitar a Realidade e o Mundo em que estamos inseridos.

domingo, 23 de março de 2014

O Conceito de Justiça em Alice

  O conto de “Alice no País das Maravilhas” relata a história imaginária de uma jovem menina chamada Alice, que, enquanto estava com a irmã à beira-rio sem nada para fazer, adormece e é transportada para um local onde a imaginação é regente e a realidade vê-se virada do avesso. Tudo por seguir um coelho realmente invulgar e cair num poço sem fundo.
  Neste mundo, Alice depara-se com diversos pontos de vista contraditórios, não só entre si, mas também com o que ela está habituada. Para além disto, ela também se depara com mudanças consigo própria, cresce e diminui e cada mudança traz um sentimento diferente. Ao crescer sentiu um acréscimo de responsabilidades e ao diminuir sentiu-se insignificante. Isto é tudo referente às mudanças sentidas à medida que crescemos.
  No País das Maravilhas, também o conceito de Justiça encontra-se adulterado e deturpado em relação ao que é considerado Justiça no mundo real. Mesmo sabendo que este tema é muito subjectivo, conseguimos ver a diversificação que adquire neste mundo oposto. Isto também se pode incluir na ideia de crescimento, pois muitas vezes nos sentimos injustiçados e que ninguém nos compreende. Como quando o Rato é julgado pela Cadela Fúria e, como esta é mais poderosa, auto proclama-se juíza e jurada, defendendo os seus interesses. Para nós é completamente injusto, mas no País da Maravilhas é aceite. Ou quando o Valete é injustamente acusado de roubar as tartes e é julgado pelo Rei e pela Rainha, tentando-o condenar à morte, mesmo sem a existência de provas ou testemunhas. Ou ainda, quando a qualquer passo a Rainha manda decapitar quem não esteja a agir especificamente como ela quer. Aqui não há qualquer sentido de justiça capaz de beneficiar todos de um mesmo modo e haverá, sempre, injustiçados.
  Neste mundo existe uma enorme anarquia, pois o poder da Rainha e do Rei acabam por ser meramente aparentes. Isto porque, as ameaças acabam sempre por não passar disso, meras ameaças sem nunca haver verdadeiro castigo.
  Este livro nota-se que não é meramente Infantil, pois a ideia subjectiva que contem exige um enorme poder de compreensão. Podemos perceber que se pode referir às diversas mudanças, físicas e espirituais, sentidas durante o nosso crescimento. E também se pode servir como uma crítica em relação ao nosso mundo, pois também muitas vezes ouvimos e sentimos no nosso quotidiano inúmeras injustiças. Como quando os “poderosos” dominam os mais “insignificantes” e estes são obrigados a obedecer. Por isso é exigida maturidade ao ler este livro, para se entender o seu significado “escondido”.

Não Trago Recordações

Não trago recordações. 
Escolheria as que não interessam a ninguém. 
Como se erguesse contra mim o tiro de uma arma
ou acabasse de ler as disposições da comuna 
sobre as mulheres. 
Precisamos um do outro 
esta noite 

ferido por uma bala. 

Os dois os três dias que se vão seguir. 
Os envelopes foram destruídos. 
As coisas 
as cartas 

O tempo é sempre magnífico. 
Terra povoada de gente 
mil e uma coisas que fazem uma arma 
soltar o corpo para o corpo de outro corpo.

As frases começadas 
hei-de um dia os mundos desta vida.

João Miguel Fernandes Jorge, in "Meridional"

Interpretação:
            O poema fala-nos de quase que uma ideia oposta de “recordação” e “interesse dos outros” no início do mesmo. O «eu» recorda os momentos passados com o outro, o seu amor, a sua paixão com quem manteve uma relação de cumplicidade. O poema remete para uma ideia de passado, um passado cujas memórias se desvanecem e dissipam, como é visível nos versos: «Os envelopes foram destruídos./ As coisas/ as cartas». O que pode significar que estas memórias possam ser pérfidas e maliciosas para, não só o sujeito poético, como também para o seu enamorado. Ao exclamar «Ferido por uma bala», expõe o modo como sofreu e sofre com a ausência “do outro”.
            Por isso tudo, o «eu» aposta no Presente. «Precisamos um do outro/ esta noite». E deixa-nos a entender que fará o mesmo com o futuro: «Os dois, três dias que se vão seguir», «As frases começadas/ hei-de um dia os mundos desta vida». O que remete para uma ideia de esforço para concretizar os seus desejos e ambições e corrigir tudo o que não o foi.

            O sujeito poético precisa “do outro” e também o deseja, anseia o seu corpo, o seu toque e o seu calor: «soltar o corpo para o corpo de outro corpo». Sendo aqui retratado, não só, mas também um amor físico e ardente para além da paixão espiritual. Quando este afirma que: «O tempo é sempre magnífico» refere-se novamente ao facto de as memórias poderem ser dolorosas, sendo que o tempo contribui para a sua erosão.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Interpretação do poema

um risco na página
um gesto furtivo
um movimento
de queda
na sombra
da sombra
de um corpo, uma boca
: alguém chama — palavras contra
o sentido, contra a direcção
do vento
(Manuel Gusmão)

  O poema fala sobre a própria criação de um poema, sobre as fases da escrita e do pensamento do poeta durante a sua elaboração.
  A escrita de um poema começa de forma hesitante: uma linha sobre o papel, uma palavra, uma ideia. Assim como refere o primeiro verso («um risco na página»), é do primeiro traço que nasce o poema. Quando o sujeito poético – que seria o próprio autor – começa o poema, os seus movimentos são prematuros, subtis e curtos («um gesto furtivo»), as ideias ainda estão a desabrochar, ainda são confusas e desorganizadas.
  O poema também fala sobre a própria conceptualização do poema. Para escrevê-lo o sujeito poético tem de ir ao fundo de si mesmo, da sua mente, da sua experiência de vida e dos seus sentimentos. Assim como diz nos versos quarto, quinto e sexto, é preciso cair dentro das sombras, dentro do irreal, e procurar as coisas que não podem ser visualizadas à superfície.
  As palavras organizam-se, seguem as ideias, e ainda assim não têm necessariamente de fazer sentido. A poesia implica ver para além do que é visível, para além do sentido literal das palavras, do que as pessoas que a leem estariam à espera (por isso, é feita de «palavras contra o sentido»).
  Penso que o poema, para além de falar sobre a criação do próprio poema, também fala de como ele pode ser interpretado por cada pessoa. Os leitores começam por olhar para o poema, para as palavras que estão escritas nele, e depois vão furtivamente desvendando os seus significados. Assim como o autor, têm de utilizar as suas experiências de vida para interpretar o poema, têm de adentrar nos cantos da sua própria mente para encontrarem o seu significado; e têm de criar a sua ideia do poema, independentemente dela condizer com a do autor, ou com a de outro leitor. É preciso dar-lhe um sentido pessoal, seja real ou não.


(Será que o/um poema se faz a si próprio?)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014


No Dia que para Sempre Separámos  do Corpo

No dia que para sempre separámos do corpo,
havia nesse dia sobre o livro de gravuras
um insecto com os breves sinais de uma aranha.

Esperávamos um recado que se fez esperar e
tinha as mãos no rosto e fora meu.
A medo a dor para onde não sei bem levava a dor
o rosto.

Havia tudo um pouco misturado. Antigas cartas
velhos poemas.
Até do outro lado da janela víamos tristes
tristes rapazes jogando a bola,

corpo jogado sob o vento de abril e o de
março.

Dentro do quadro via a camisola de lã branca
e o que de loiro havia do recente sol
via a dor o recado desejado no negro azul
das aves.

Sobre o céu, o mar, esse tinha-lo agora nos novos
olhos.

João Miguel Fernandes Jorge, in "Continentes e Desertos"


Interpretação do poema
Este poema tem como tema central a morte. Apesar de a nunca ter referido diretamente. Neste poema é referido a tristeza e a dor deste acontecimento bem presente nas pessoas, nos objetos e na própria natureza. A tristeza era tão grande intensidade que até parecia que os rapazes que estavam a jogar a bola sabiam desta morte e se sentiam tristes por causa disso. Aqui até parecia que a própria natureza lamentava de tal forma que o cenário parecia tendencialmente negro e escuro onde o claro e brilhante do sol tinham desaparecido, o que representava essa tristeza. Aqui é referido um recado que era esperado e importante. O recado devia ter uma mensagem importante. Esse recado pertencia á pessoa que morreu e que infelizmente  não pode entregar a quem queria entregar e nunca o poderá fazer, sendo agora tarde demais para o fazer, de modo que esse recado, muito provavelmente, nunca será lida pelas pessoas destinatárias, o que agrava o cenário. Aqui neste poema é demonstrado a procura e desespero das pessoas que esperavam esse recado e agora o procuram entre vários poemas e cartas antigas para um último adeus, um último contacto, mas não o encontraram.